sexta-feira, 22 de julho de 2011

Jawa Perak tipo 11 - 1947


















Contextualização histórica



A actual República Checa e a Eslováquia têm um passado comum bastante rico e interessante.



Entre o fim da 1ª Grande Guerra, 1918, quando se dissolveu o Império Austro-Húngaro, até 1993, quando pacificamente se separaram, estes países eram um só – A Checoslováquia.



Se nos centrarmos apenas no século passado, estas regiões da Europa Central passaram pelas mãos de várias potências vizinhas, como a Áustria, a Hungria, a Alemanha e a União Soviética.



Resumem-se a um povo pacífico, culturalmente evoluído, mas de terras muito cobiçadas.




Mesmo com este cenário de grande instabilidade política, destacaram-se várias empresas, pelas lógicas visionárias de produção e inovação tecnológia, como a vigorosa cadeia de calçado Bata, o gigantesco grupo Škoda, os geniais automóveis Tatra, e as carismáticas Jawa e ČZ.



A Jawa e a ČZ são marcas de motas da antiga Checoslováquia que, embora tenham muito em comum, têm origens e percursos muito distintos até 1939, quando começou a 2ª Guerra Mundial.



O facto de se terem fundido num momento da sua história, gera alguma confusão entre os entusiastas das marcas no que respeita à identificação dos modelos produzidos, que à partida parecem de uma marca, mas afinal são de outra. Pelo que é nosso objectivo ajudar todos os apaixonados a chamarem a sua menina pelo nome correcto, e alimentar o seu fascínio por estas máquinas.



As origens Jawa



A pessoa por de trás da marca chama-se František Janeček (1878-1941). Este engenheiro, antes de se dedicar às motas concebeu várias patentes ligadas à industria militar, entre as quais, a granada de mão.



Em 1927, Janeček adquiriu uma antiga fábrica de armamento em Praga, mas dada a redução de contratos para o fabrico de componentes militares, decide diversificar a sua actuação no mercado. Apesar de não estar familiarizado especificamente com as motas, as técnicas de produção em massa, já testadas por Henry Ford, eram a sua especialidade.



No mesmo ano, o engenheiro começa a produzir a motas Wanderer sob licença, que concorria com a BMW. Em 1929 adquire a empresa, que enfrentava problemas económicos, e cria a Jawa combinando as iniciais de Janeček e Wanderer.



Pode-se dizer que a última Wanderer é a 1ª Jawa, com os mesmos componentes e algumas melhorias. Da Wanderer 500 Kardan surge a Jawa 500 Rumpal. Contudo, dado o elevado preço e algumas deficiências mecânicas, o número de vendas não atingiu as expectativas.



Perante este cenário, Janeček inverte a lógica de actuação no mercado e aposta numa mota mais simples e barata. Para isso contrata o designer Britânico George W. Patchet, conhecido pelo seu trabalho na Brought-Superior, McEvoy e FN, que concebe a Jawa 175 com motor Villiers, extremamente fiável e 1/3 mais barata que as motas rivais.



Até à 2ª grande Guerra, a Jawa não parou de surpreender com novos modelos, das mais acessíveis de 98cc e 175cc, às mais exclusivas de 250cc e 350cc a 4T Todas disponíveis apenas em vermelho. Conseguiu ainda expandir-se para o ramo automóvel com motores de 600 e 700cc.



As origens Cz



Esta marca de motas tem por trás o grupo Škoda. Fundado por Emil Škoda, esta empresa estabeleceu-se como fabricante de armas em 1859, mas rapidamente expandiu o negócio para a indústria de fundição e maquinaria pesada.



Em 1907 adquire a Laurin & Klement introduzindo-se na indústria automóvel. Em 1919 o grupo cria um ramo de produção de armas no Sul da Boémia, em Strakonice. Em 1922, depois da fusão com uma fábrica de armamento em Praga nasce, finalmente, a Česká Zbrojovka de iniciais ČZ (em português, Fábrica de Armamento Checa).



Em 1929, no ano em que futura rival Jawa lançava a sua 500 Rumpal, a companhia adquiriu uma fábrica de componentes para bicicletas em Kralupy. Três anos mais tarde lança a sua primeira bicicleta motorizada, de 76cc de capacidade, a Kaktus. Este sugestivo nome prende-se com a invulgar forma do cilindro.



Em 1936, a produção de armas é afastada de Strakonice para dar lugar à produção exclusiva de bicicletas e motas. A Kaktus aumenta para 100cc e a oferta evolui para motas de maior capacidade, mais elegantes e de excelente qualidade de construção, produzindo motorizações monocilíndricas a 2T de 175cc, 250cc e 350cc e a poderosa bicilíndrica 2T a ČZ 500cc. Rapidamente se tornou num dos maiores fabricantes de motas na Checoslováquia, juntamente com a Jawa.



Durante a 2ª Grande Guerra, a fábrica da Jawa em Praga e a da ČZ em Strakonice foram ocupadas pelos alemães e convertidas para produzir material bélico à semelhança do que aconteceu com outras fábricas de motos pela Europa.



A história comum no pós Guerra



Em 1948, depois dos Comunistas tomarem o poder, a Jawa e a ČZ foram nacionaliazadas e as suas linhas de produção fundiram-se, juntamente com o 3º maior construtor, a Ogar.



Desde então a produção em cada uma das fábricas ficou separada por cilindradas. A ČZ fabricava em Strakonice os modelos de menor capacidade, de 125, 150 e 175 cc e a Jawa os de maior capacidade, de 250, 350 e 500 cc. A Ogar produziu apenas as primeiras unidades da versão 350cc da Perak em 1948.



Entre 1946 e 1948 a Jawa, a ČZ e a Ogar mantinham a sua produção separada e concorrencial, saindo das suas fábricas as motas com o mesmo nome.



A partir de 1948 a começaram a produzir motas para fatias de mercado distintas, todas baseadas no desenho e tecnologia da Perak lançada pela Jawa em 1946.



Em 1954 dentro das motorizações já oferecidas, a oferta foi renovada com um novo desenho que incluia nova tecnologia de suspensão, entre outras tantas inovações. Nesta década, as fábricas mantiveram a mesma lógica de separação da fabrico por cilindradas, mas todas as motas produzidas saíram com a marca Jawa- ČZ, com excepção da mítica 500 OHC e das motorizações de 50cc, que saíram com os emblemas Jawa.



A partir de 1960, por razões de ordem prática, as marcas voltaram a separar-se e os modelos até 175cc são produzidos com o logotipo da ČZ e os de 250cc e 350cc com o Logo da Jawa. O facto da ČZ ter lançado em 1964 um modelo de 250cc revela alguma margem para concorrência, ainda que as marcas partilhem a maior parte dos seus componentes.



Jawa Perak – “A mota de Guerra”



(Fotos - Jawa Perak modelo 11 de 1947)



Quando se quer elogiar a durabilidade e fiabilidade de um motor, diz-se que é um “motor de guerra”. As Jawas são conhecidas por isso, mas da próxima vez que aplicar esta expressão a uma Jawa, vai saber explicar porquê.



Em Março de 1939, a Checoslováquia foi ocupada pela Alemanha Nazi, 10 anos depois da Jawa ter sido fundada. Nos primeiros 6 meses de ocupação, os nazis converteram as fábricas de produção de veículos para construção e manutenção de armamamento. Perante este cenário a Jawa não foi excepção, e deixou de produzir as suas motas e carros. Todo o stock de peças teria que ser destruído.



No entanto, muitos funcionários não cederam a esta obrigação e esconderam o maior número de peças possível. Conseguiram esconder peças suficientes para montar 8500 motas e 700 carros.



A empresa apenas conseguiu oficialmente manter o seu vínculo com as motas num centro de manutenção em Praga, destinado à manutenção e reparação das DKW e BMW dos militares alemães. E foi precisamente a conviver com o inimigo, que um grupo de trabalhadores secretamente desenvolveu uma mota com o objectivo de ser vendida em tempo de paz.



O grupo era liderado pelo jovem designer Josef Jozif, que desenhou a mota num anexo de madeira nas trazeiras das instalações. Desenvolveu e testou uma série de alternativas com a ajuda do seu grupo super restrito de colaboradores.



A equipa foi dividida em grupos mais pequenos, de modo manter e controlar o secretismo. Cada um ficou responsável por vários projectos em paralelo, uns testando motores a dois tempos e outros a quarto tempos.



Com toda esta sinergia concentrada no mesmo objectivo, Josif desenvolveu um motor monocilíndrico a dois tempos. Depois de desenhado foi testado vezes sem conta. Os protótipos eram pintados de verde tropa com emblemas roubados das DKW, permitindo que fossem testados discretamente durante milhares de kilómetros, permitindo o seu gradual aperfeiçoamento. Foram testados 20 protótipos. Assim que se começaram a ter certezas sobre todas as questões técnicas a incluir, foram contruidos protótipos definitivos que foram contrabandeados para fora de Praga e escondidos no Nordeste da Boémia.



Este feito por si já é hercúleo, mas temos que o contextualizar numa atmosfera de medo, em que não se sabia em quem confiar por receio de traição. Houve até um episódio curioso, que deixou Josef Josif de cabelo branco. Numa altura em que estavam a finalizar os últimos protótipos, a Gestapo entra pelas instalações dentro e prende um membro da equipa de desenvolvimento do projecto secreto chamado Osvald. Nos dias seguintes achava-se que a Gestapo iria regressar para prender toda a gente, por pensarem que o Osvald ia ceder à tortura.



Felizmente para o resto da equipa, Osvald não denunciou os colegas. Foi preso por suspeitas de ser membro da resistência contra os Alemães e operar um transmissor de rádio clandestino. Por essa razão foi executado. Graças ao seu silêncio a Jawa renasceu das cinzas.



Em 1945, ao contrário de outros fabricantes, a Jawa estava pronta para começar a produção da sua “mota de guerra”. O protótipo de Josif de 250cc foi o modelo produzido, o tipo 10, da qual terão sido produzidas mais de 1000 unidades em 1946.



O seu desenho é fortemente influenciado pela corrente do Streamline. A fluidez e minimalismo das linhas resumem a sua forma ao essencial. Estes princípios traduziram-se, na prática, na omissão das cablagens pelo interior do quadro, e outros componentes pelo interior das carenagens, filtro e carburador escondido por uma tampa integrada no desenho do motor e embraiagem semi-automática. Tudo patenteado.



A sua suspensão apoiada no eixo trazeiro é a razão de ter sido apelidada de Perak, que em Checo significa mola. Dizem que em piso irregular percebemos o porquê da alcunha.



s suas linhas simples e lisas, facilitam a limpeza da máquina e evita o contacto com as zonas mais sujas ou sensíveis da mota. O seu desenho inovador foi um verdadeiro criador de tendências que lhe valeu a medalha de ouro no Salão Automóvel de Paris em 1946.



Ainda em 1946 foi lançado o tipo 11 com algumas melhorias relativamente ao 10. No final de 1947, a marca contava já com mais de 17 000 motas produzidas, sendo a maioria exportada para todo o mundo, tornando o nome da marca verdadeiramente universal.



Em 1948 a Perak recebe uma nova motorização de 350cc e 2 cilindros que foi inicialmente produzida pela Ogar, quando esta e a Cz se juntaram à Jawa no âmbito da política de nacionalização.



Actualmente o nome Jawa é conhecido em todo mundo por ter sido exportada em massa, especialmente para países com afinidades Comunistas.



O desenho da Pérak teve tempo para amadurecer. Foi muito pensado e testado. Em 6 anos de Guerra consegui-se traçar o percurso vigoroso da marca pelo menos até à Jawa Californian dos anos 70, pois para além de partilharem inúmeros componentes, partilham a filosofia definida para a Perak.



É o exemplo pleno de uma lógica de produção de grande escala, que se traduz não só numa linha de montagem eficiente, mas também num design de produto inteligente.



Nos anos seguintes a marca foi-se reinventando, criando motas com motorizações variadas, diria que resultantes da variação da combinação das peças produzidas, fazem saborosas omeletes sem ovos.



Devido a grupo de heróis que, durante a Guerra, contra todas as expectativas, desenvolveu uma verdadeira máquina de Guerra, a marca elevou-se a um patamar mundial. Se o meu dia-a-dia é mais condimentado, é concerteza por causa da determinação de uns quantos bravos.


obrigado František Janeček, obrigado Josef Josif e obrigado Osvald.